#11 sentimentos perdidos, um chiclete de morango e as chaves de casa.
tudo é muito assustador.
escrevo em pequenos bilhetes tudo aquilo que queria te dizer. o quanto te gosto, o quanto te quero. ainda é muito cedo, então amasso cada um deles e guardo no fundo do meu bolso ao lado de todos os outros sentimentos perdidos, um chiclete de morango e as chaves de casa.
aparentemente é bem mais difícil de abrir a porta do que eu imaginava, afinal, ela sequer deveria ter sido fechada para começo de conversa. mas foi assim, tão rápido quanto se abriu ela se fechou e agora escuto o ranger de sua tentativa de se abrir mais uma vez. agora ela é pesada e seu resmungar é ainda mais estridente, fazendo com que alguns narizes se torçam e alguns olhos se revirem, “lá vai ela de novo”.
e então, o tilintar das chaves de um molho de várias outras já usadas traz um pouco de conforto em meses. desta vez a tentativa é gentil, delicada ao toque, doce nos acalentos que dizem que o problema não é a porta, mas a maneira como tentar a abrir sempre de seu modo e não do dela. eu não posso dizer nada se não um “se você está dizendo”. não é que eu não acredite, mas é difícil nadar contra a maré que te joga contra a costa de novo e de novo.
a maneira tão simples como torce a maçaneta, mas que nunca feita antes, torna-se um choque. então era para ser assim o tempo todo? chocante.
depois de aberta, não há muito o que fazer. exceto que tem sim. e talvez esta seja a parte mais desafiadora de todas, porque por dentro está tudo puro caos e bagunça. caixas de papelão decoram os cantos — cheias de tudo e também um pouco de poeira —, objetos estranhos que provavelmente não me pertencem, mas que ficaram ali inevitavelmente porque me recusei a devolver aos donos, a imagem de vários que tranquei ali dentro porque dizer adeus parecia doloroso demais. e aí eu tenho que dar meu melhor sorriso para dizer, “fique a vontade, seja bem-vindo e, por favor, não repare em toda a bagunça”. mas como que não se repara em algo que esta por tudo e cada canto daqui? a cada passo você pode tropeçar em o que definitivamente não era para estar ali e, meu deus, eu juro que havia guardado no lugar na semana passada.
e se estiver tudo bem por você, está tudo bem para mim. mas outra questão cutuca minha mente como uma criança insistente querendo a resposta de tudo o que parece impossível de ser respondido: quando é que eu posso abrir as janelas e deixar o ar entrar? te mostrar o que tenho aqui pra te oferecer. não me refiro ao caos e a bagunça que já estava aqui desta vez, mas o que foi feito para você. o que é só para você. está tudo bem se nos quadrinhos que pendem tortos nas paredes desalinhadas o seu rosto preencher o vazio? está tudo bem se eu te disser que eu, hipoteticamente, já comprei uma escova de dentes para você e uma caneca com o seu nome tem um lugar especial na cristaleira? talvez seja aceitável então te dizer que na minha cômoda já reservei duas gavetas para suas camisas? acho que é menos pior do que se eu te fizer algum tipo de declaração desordenada cheia de incertezas e inseguranças.
de qualquer forma, seja bem-vindo. e, por favor, se for sair, deixe a porta aberta.
até a próxima, MUAC